Já eram 10 da noite... Ou 11. Ou algo assim. Pra ele não importava. Tudo ainda continuava estranho e sem explicação, fosse a hora que fosse. Ele era o contraste entre uma folha branca e uma nuvem de verão. Ausente, imperceptível ou quem sabe impossibilitado de existir, não importa. Fosse o que fosse, era aquilo - e continuaria sendo aquilo.
A janela resistia bravamente às rajadas de chuva, mas não se podia dizer o mesmo das árvores lá fora. Algumas perdiam folhas, outras galhos... Um jovem ipê cedeu abraçando o poste ao seu lado. Foram ambos ao chão, assitidos de perto pelo carro vermelho estacionado metade na rua, metade na calçada. Na mesma hora, todo o bairro resolveu se esconder nas trevas. Mas aquilo não era seu problema. Definitivamente, aquilo não era o seu problema. Mas de quem era, então?
Provavelmente da companhia elétrica. Sim, claro, da companhia elétrica! Alguém deve estar mandando outro alguém ir lá arrumar o problema nessa mesma hora... Mas quem estaria vindo para colocar um poste no lugar no meio de uma tempestade? Ninguém em sã consciência iria pra rua com aquele tempo...
Ele foi.
A tempestade que caía do céu era pouco perante a tempestade que caía na sua cabeça. As ruas movimentadas de dia, agora estavam engarrafadas de ar e água, muitas vezes mais água que ar. Muitas vezes faltava ar.
Os óculos o cegaram rapidamente, logo após a primeira gota cair no vidro. Mas ele preferia assim, sem ver nada. Ele já estava acostumado a não ver pra onde estava indo. Ele apenas ía.
A jaqueta de frio encharcada pesava cada vez mais nos ombros, mas ele nem ligava. O jeans grudava nas pernas enquanto ele deslizava pela rua deserta de gente. Pelo meio do asfalto da avenida principal. Algo praticamente inimaginável. Sentiu um gosto diferente na boca. Era o que diziam ser "liberdade". E então ele gritou. Gritou pra quem quisesse ouvir, pra todo mundo ouvir, gritou pro mundo todo! E foi naquele instante, naquele momento mágico em que ele gritava de braços abertos no centro da cidade inundada que... ninguém o ouviu. E ele parou de gritar. Mas por que? Porque havia uma garota. Sim, havia uma garota! Que estava a milhas de distância, ele nem sabia quantas. Que ele não sabia onde estava, mas ela existia. Ele não sabia o que ela fazia naquele momento, mas ela existia. Ela não o esperava, talvez esperava outro. Talvez ele a esquecesse, talvez tomasse um fora só porque ele não era parecido com o que ela procurava - um cara parecido com o Elvis, porém fiel, diga-se de passagem.
Ele continuou. Cego, sujo e molhado, até se dar conta de que tinha tropeçado no próprio portão. Entrou. Tirou as roupas e riu como um fantasma ao ver um homem preso a uma escada, colocando os últimos cabos no novo poste. O jovem ipê não teve a mesma sorte. Subiu em um caminhão, pra nunca mais voltar.
Deitou no azulejo frio, mas não se secou. Ficou pensando o motivo pelo qual aquele homem tinha saído naquela chuva pra recolocar o poste. A luz voltara. Ele viu os postes se acenderem, um a um, através da janela, mas não fez questão nenhuma de ligar o interruptor. Concluiu que aquele devia ser o trabalho daquele homem, o de recolocar postes em tempestades. Mas e ele? Por que tinha saído? Simples. Porque na chuva ninguém vê que você está chorando.
Provavelmente da companhia elétrica. Sim, claro, da companhia elétrica! Alguém deve estar mandando outro alguém ir lá arrumar o problema nessa mesma hora... Mas quem estaria vindo para colocar um poste no lugar no meio de uma tempestade? Ninguém em sã consciência iria pra rua com aquele tempo...
Ele foi.
A tempestade que caía do céu era pouco perante a tempestade que caía na sua cabeça. As ruas movimentadas de dia, agora estavam engarrafadas de ar e água, muitas vezes mais água que ar. Muitas vezes faltava ar.
Os óculos o cegaram rapidamente, logo após a primeira gota cair no vidro. Mas ele preferia assim, sem ver nada. Ele já estava acostumado a não ver pra onde estava indo. Ele apenas ía.
A jaqueta de frio encharcada pesava cada vez mais nos ombros, mas ele nem ligava. O jeans grudava nas pernas enquanto ele deslizava pela rua deserta de gente. Pelo meio do asfalto da avenida principal. Algo praticamente inimaginável. Sentiu um gosto diferente na boca. Era o que diziam ser "liberdade". E então ele gritou. Gritou pra quem quisesse ouvir, pra todo mundo ouvir, gritou pro mundo todo! E foi naquele instante, naquele momento mágico em que ele gritava de braços abertos no centro da cidade inundada que... ninguém o ouviu. E ele parou de gritar. Mas por que? Porque havia uma garota. Sim, havia uma garota! Que estava a milhas de distância, ele nem sabia quantas. Que ele não sabia onde estava, mas ela existia. Ele não sabia o que ela fazia naquele momento, mas ela existia. Ela não o esperava, talvez esperava outro. Talvez ele a esquecesse, talvez tomasse um fora só porque ele não era parecido com o que ela procurava - um cara parecido com o Elvis, porém fiel, diga-se de passagem.
Ele continuou. Cego, sujo e molhado, até se dar conta de que tinha tropeçado no próprio portão. Entrou. Tirou as roupas e riu como um fantasma ao ver um homem preso a uma escada, colocando os últimos cabos no novo poste. O jovem ipê não teve a mesma sorte. Subiu em um caminhão, pra nunca mais voltar.
Deitou no azulejo frio, mas não se secou. Ficou pensando o motivo pelo qual aquele homem tinha saído naquela chuva pra recolocar o poste. A luz voltara. Ele viu os postes se acenderem, um a um, através da janela, mas não fez questão nenhuma de ligar o interruptor. Concluiu que aquele devia ser o trabalho daquele homem, o de recolocar postes em tempestades. Mas e ele? Por que tinha saído? Simples. Porque na chuva ninguém vê que você está chorando.
4 comentários:
Who looks like Elvis.
Gostei muito da levada desse texto, já disse uma vez e repito aqui. A propósito: daria um belo de um contador, no sentido mais 'conto' da palavra. =)
Nossa, o texto com as analogias das gotas d'agua e do choro me deixaram de boca aberta! Boca e mente por sinal..adorei a parte do poste e do ipê, é como se a sorte dependesse da existencia d cada um. blog mto bom, parabénss!
Um grito de socorro para gotas d'água que ao mesmo tempo em que são violentas são inanimadas.
O texto é alicerçado nos anseios existenciais e adornado com críticas, ao mesmo tempo sutis e mordazes, à contemporaneidade. Críticas, estas, visíveis em trechos como: "Alguém deve estar mandando outro alguém ir lá arrumar o problema nessa mesma hora... Mas quem estaria vindo para colocar um poste no lugar no meio de uma tempestade? Ninguém em sã consciência iria pra rua com aquele tempo...". Este trecho pode ser usado como ilustração do caráter contido em toda a obra. ".. mas quem estaria vindo para colocar um poste no lugar no meio de uma tempestade?..." eis um anseio existencial, eis um fragmento do alicerce do texto. Eis, também, um fragmento dos adornos do texto. Uma crítica à apatia do próximo, à sanidade que faz com que algumas pessoas ignorem as dificuldades "temporais".
Um texto dinâmico e multi-dimensional, pois permite uma visualização de diferentes ângulos. Na verdade, além de ser um texto com várias dimensões, possui a capacidade criativa que desperta no leitor uma nova reflexão, uma nova criação.
Tão bom quanto uma folha em branco.
Metafórico, simbólico, crítico, o melhor texto já postado no HeR.
Texto muito bom!
Demais a referência a Blade Runner, com a foto do replicante Roy, que chora na chuva as lágrimas de uma vida humana a que ele não teria direito.
Abraços,
Berenice
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