Sincretismo é a marca das festas de Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes no Sul do país
Quem é a verdadeira rainha do mar? Para os católicos ela é Nossa Senhora dos Navegantes, protetora dos pescadores e marinheiros. Já para os umbandistas ela é Iemanjá, a deusa dos mares e rios. O certo é que o dia 2 de fevereiro é especial para as duas religiões. E o sincretismo - união de duas crenças diferentes - fica claro nas celebrações, que são tradicionais nas cidades litorâneas do Sul do Brasil.
Algumas pessoas, como a aposentada Benta Silva, comparecem às duas festividades. “Fui às duas festas, mas acredito mesmo é em Nossa Senhora. Na cerimônia da outra fui mais por curiosidade”, afirma a aposentada, que é católica. Para a professora Gláucia Silva, que é espírita, a festa de Iemanjá transcende a religião. “Claro que estes cultos foram trazidos da África, mas acabaram se tornando parte da cultura brasileira”, diz.
A artista plástica Maria Darmeli diz que vai tanto aos cultos da umbanda como a católicos e budistas. A opinião dela ilustra o que pensa o público das festas à beira mar. “Gosto de sentir a boa energia espiritual destas cerimônias. Acho que todas as religiões são válidas. O importante é que sejam praticadas com amor e fé”, afirma Darmeli.
Mas se para o público o sincretismo é algo positivo, para membros das religiões nada mais é do que retrato do desconhecimento. “As pessoas vão às duas festas por falta de informação. Na verdade Iemanjá é uma visão distorcida da Santa. No fundo, não é a mesma compreensão espiritual”, diz Dom Jaime Pedro Kohl, bispo da Igreja Católica.
Diferentes celebrações
O bispo ainda diz que as figuras das rainhas do mar e as cerimônias são totalmente diferentes. “Enquanto uma representa a humildade da santa, outra mostra a força da mulher. Iemanjá é mais mulher e menos santa. Além disso, em uma festa há as oferendas, que até sujam o mar, e na outra, apenas orações”, afirma Dom Jaime.
Laura Lemos, dona de uma loja que vende produtos de umbanda, também acredita que as pessoas vão às festas sem saber realmente do que se trata. “Tem muita gente que vai e nem sabe o verdadeiro significado do poder da deusa Iemanjá”, diz a vendedora, que também organiza as cerimônias de culto à deusa do mar.
Como são as festas
Na festa de Iemanjá tambores tocam ritmos africanos na beira da praia de Torres (RS) à noite. Uma senhora de azul caminha de olhos fechados em torno de velas e oferendas enquanto devotos disputam espaço para se benzerem. O ápice da celebração é quando a mulher recebe o espírito da protetora dos mares. Em outra parte da praia, há um palco onde grupos de canto e dança africanas se apresentam para o público, na maioria de outras religiões. Próximo ao palco os devotos pedem proteção e tiram fotos de uma representação da deusa como uma mulher alta e forte. Uma verdadeira guerreira.
Já no outro dia à tarde, gritos ecoam na beira do rio Mampituba, divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Fiéis acenam para a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes ao som de cantos tradicionais da Igreja Católica enquanto o barco que leva a santa se distancia. A festa ocorre mesmo com um sol de 42°C. A devota Maria de Fátima Silveira disputa um lugar no barco que acompanha a imagem e não se abala nem com a temperatura. “Vale tudo para ver a procissão no rio, até ficar nesse sol”, comenta.
Origem das homenagens
O culto a Nossa Senhora dos Navegantes, protetora dos pescadores e marinheiros, teve origem no século XV. A Santa, que é a representação de Maria, era muito popular entre os navegadores portugueses. Com a colonização, o culto também chegou ao Brasil, com festas principalmente na região Sul, em municípios banhados por rio ou mar. “Ela foi trazida para o Sul pelos açorianos, povo que colonizou a região”, explica Dom Jaime.
A Deusa do Mar ganhou uma imagem graças a tentativa de evangelização dos escravos feita pelos portugueses. “Os portugueses tentaram impor uma religião para os negros da África. Para disfarçar, eles rezavam para os mesmo santos. Assim, faziam as preces para Iemanjá olhando para a imagem da (Nossa Senhora dos) Navegantes”, diz Laura Lemos.
Reportagem escrita para o site O Estado do RJ em 2010
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