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18 de novembro de 2009

Ironias da vida cotidiana: Humor negro real

No livro Ilusões perdidas que faz parte da série “a comédia humana”, Honeré de Balzac traz a tona todos os meandros e mesquinharias da vida francesa no século XIX. A história é centralizada na saga de dois amigos, David Sechard e Lucien de Rubempré, cada um com uma personalidade diferente. Sechard era um homem de caráter, trabalhador, todavia não tinha tino comercial e era constantemente enganado por todas as pessoas no qual ele negociava, ele fora enganado inclusive por seu pai; Já Lucien de Rupembré, melhor amigo de Sechard, ao contrário do companheiro, tinha muitas ambições, sonhos e era talentoso. Porém ele queria conquistar as coisas da forma mais fácil. A obra é uma crítica ferrenha a vários setores da sociedade como: Nobres, advogados, relações pais e filhos, burgueses em ascensão, porém concentra a maioria de suas críticas à classe dos jornalistas.

A obra é dividida em três partes: Na primeira e na última o cenário da história é a província de Angoulême, uma das menores províncias francesas da época. Balzac inicia a obra contando sobre a vida dos dois rapazes na província, já demonstrando um contraponto de atitude entre os dois. Tanto em relações familiares, pois enquanto Sechard era constantemente explorado pelo pai, Lucien vivia em situação parasitária na sua família, pois enquanto era sustentado pela mãe e pela irmã, que trabalhavam a fio, concentrava-se em escrever suas obras; Como nas relações amorosas, Sechard ama verdadeiramente Ève, moça humilde, bela e que é irmã de Lucien, enquanto este demonstra afeição a Sra. Bargeton, mulher mais velha da alta sociedade local, o que traz a ele uma oportunidade de ascensão social, visto que era muito ambicioso. Obviamente, o envolvimento entre o poeta e sua musa não fora bem visto pela sociedade local, descrita como preconceituosa, mesquinha e com vida fútil, se preocupando principalmente com a vida alheia. O casal acaba fugindo para Paris, onde poderiam ficar juntos e Lucien poderia realizar o seu sonho de publicar suas obras.

Na última parte do livro, novamente a visão provinciana de mundo é focada, e todos enxergam Lucien de outra forma, as pessoas os vêem como um homem da metrópole, civilizado. David Sechard acaba pagando por uma armação de seu rival, dono de uma gráfica vizinha, que junto a um advogado fazem Sechard ir para a cadeia para lhe pressionar a revelar um segredo de uma invenção sua. A história mostra como o povo da província é atrasado e hipócrita, mas o interessante é a ordem que Balzac coloca a descrição do local na história. Angoulême, na primeira parte do livro se mostra um lugar de pessoas detestáveis, mas quando aparece a comparação com Paris, se vê que na capital é muito pior que a província, pois os “jogos” da sociedade são muito mais movimentados na capital e na maioria das vezes sem escrúpulo algum, sendo que uma das maiores movimentadoras desses jogos é a imprensa da capital. Depois de observar Paris na segunda parte do livro, o leitor passa a interpretar Angoulême de outra forma na última parte da obra; Comparada a capital, a província se mostra o melhor lugar para se viver, apesar de todos os defeitos de sua população.

A parte do livro mais relacionada com o jornalismo sem dúvida é a segunda parte, onde muitas pessoas, classes e atitudes são mostradas. Todo o caminho percorrido por Lucien na capital é mostrado ao leitor, da sua ascensão ao apogeu até sua decadência que o leva de volta a província. Balzac derruba a idéia de amor logo no começo do capítulo, quando Sra. Bargeton acaba largando Lucien para ser aceita na alta sociedade parisiense, mostrando uma escolha feita na normalmente entre os mais altos escalões da sociedade, colocando sua posição na visão de outras pessoas em detrimento a seus sentimentos. Abandonado, Lucien tenta vencer como escritor solitariamente, mas os editores de livros sequer lhe dão chance, visto que ele é só um iniciante pobre, e mesmo que tivesse talento, não sucesso de vendas, pois não teria apoio de nenhum setor formador de opinião.

A ética é representada por um grupo que Lucien acaba conhecendo em seguida, O Cenáculo. Este grupo era formado por poetas que amavam o que escreviam, mas não conseguiam sucesso, pois não vendiam as opiniões para ninguém, eles pensavam em fazer um jornal ético, sem contradições. A idéia que eles tinham de ética não era ser neutro ou imparcial, tal quais os famosos “mitos Jornalísticos”, eles apenas desejavam escrever o que pensavam de verdade, ser sinceros em relações aos assuntos pautados. Por incrível que pareça, atitudes assim vão contra a lógica mercadológica do jornalismo, como diz Marcondes filho, que descreve jornais como porta voz de correntes políticas, muitas vezes que favorecem a empresa financeiramente. Colocando um exemplo paralelo, o que o cenáculo deseja fazer seria similar a um jornal no interior do Brasil, que tentasse sobreviver sem o apoio do poder executivo local, que eventualmente seriam favorecidos por comentários desse órgão de imprensa. Seria o mais certo, mais a falta de apoio financeiro levaria o jornal à falência.

Lucien logo conseguiu ser apresentado a esses inescrupulosos órgãos de imprensa e logo foi seduzido pela fama, apesar dos alertas do Cenáculo. Eles diziam que Lucien teria todas as “qualidades” de um jornalista, ou seja, tinha talento para escrever e ambição o suficiente para escrever o que lhe desse lucro. Lucien disse que entraria nesse mundo apenas para poder ter um espaço para publicar suas obras, afinal ainda dava valor artístico ao que escrevia. Ele foi apresentado a esse mundo onde jornalistas consideravam ter poder de influência total sobre as pessoas e dessa forma poderiam até derrubar reis, se quisessem ou se lhes fosse conveniente.

No livro muitas práticas “jornalísticas” foram apresentadas, uma das primeiras que Lucien e o leitor tomaram conhecimento foi a de “atacar a quem não lhe dava lucro e ajudar a quem lhe dava”. Em palavras mais bonitas poderia ser substituído por “toda notícia que couber, a gente publica”. Aliás, Ilusões perdidas e este texto são muito parecidos em seu conteúdo, apesar de descreverem épocas e locais diferentes. Uma das práticas feitas pelos jornalistas de Paris era exaltar peças de teatro, não importando sua real qualidade e sim contratos com os donos desses teatros, hoje em dia muitos produtos da indústria cultural sofrem esse processo de valorização da mídia. Por exemplo, no Brasil novelas de qualidade duvidosa são constantemente exaltadas e divulgadas por meios de comunicação de massa, obviamente a qualidade é o que menos importa para esta atração ser elogiada, o que mais interessa é o lucro que ela vai trazer ao meio de comunicação de massa.

Jornalistas complementavam seus lucros com benefícios recebidos pelos donos de teatro, e tratavam de vender seus jornais adotando uma prática que pode ser considerada sensacionalista. Eles necessitavam atacar alguém e escolhiam suas vítimas de forma muito peculiar, primeiramente não poderia ser um patrocinador e um item que ajudaria era os ressentimentos que eventualmente algum “amigo” jornalista do grupo tivesse de alguma pessoa. Revistas como Veja e Caros amigos se utilizam de ataques para conseguir melhores vendas hoje em dia. Jornalistas do próprio grupo se atacavam, sempre anonimamente. Com isso, Balzac derruba outro sentimento nobre da humanidade, a amizade. Na obra o sucesso financeiro vem antes da amizade e por isso os próprios jornalistas poderiam ser chamados muito mais de “aliados” do que de “amigos”.

O poder do editor é mostrado na obra na figura de Finot, tal como o Editor do New York Times, no texto “jornalismo: Toda notícia que couber, a gente publica”, tinha o poder de um semideus. Editor decidia o que ia ser publicado ou não, tudo passaria pela mão dele e ele só colocaria publicava o que lhe interessava, seja financeiramente ou para melhores vendas do jornal. O editor é temido e muitas vezes odiado pelos jornalistas, afinal todo o trabalho poderia ser desvalorizado e as piores pautas poderiam ser dadas aos repórteres, tudo sob a decisão do editor. Finot nunca levava desvantagem, pois tinha uma blindagem poderosa de um grupo de jornalistas e seu exército era talentosamente manipulado pelo seu “general” para lhe defender de todos eventuais ataques de adversários.

Um dos trechos mais interessantes do livro é o momento em que Lucien é “ensinado” a criticar um livro que ele achava bom e dias depois ele é obrigado a elogiar a mesma obra, depois de ter se convencido que ela não era tão boa assim, pois tinha acreditado no que tinha escrito. Uma das maiores críticas de Balzac ao jornalismo francês da época e justamente essa, enquanto na literatura, um escritor tem paixão pelo o que escreve, seleciona as palavras artisticamente e escreve sua obra como se fosse arte. No jornalismo, o jornalista segue uma receita pronta(o lide dos dias atuais) para elogiar ou criticar alguém e muitas vezes não acredita no que escreve, ele só o faz por seguir as ordens do editor e tentar satisfazê-lo, a opinião de quem escreve não conta nada. Com essas descobertas, Lucien acabou perdendo o interesse de escrever e só fazia por obrigação, se preocupando em aproveitar a fama que ele tinha conquistado como jornalista com festas, gastando suas economias conquistadas e atolando-se em dívidas.

A figura do jornalista é colocada por Balzac como um problemático, um alcoólatra ou um viciado em jogos, quando não se tem todas as opções anteriores. Lucien viu como sua única salvação mudar de jornal, indo de um liberal para um monarquista, trocando totalmente de lado político, provando totalmente que as posições políticas da classe seguiam totalmente as necessidades financeiras, se contradizendo.

Na história D’arthez, escritor do cenáculo, clama para Lucien que ele não faça isso e tenta convencê-lo a trabalhar em seu jornal, um veículo ético, com pouca circulação, mas que escreve o que realmente pensa. Lucien, que já tinha perdido todas as ilusões com a arte de escrever, não aceitou o convite nem o conselho do amigo e dias depois foi obrigado a escrever contra ele e contra sua vontade por exigência do jornal.

Depois disto, o protagonista experimenta o poder de influência que tem a imprensa, seus antigos colegas se voltam contra ele e resolvem atacar a sua amada Coralie, que era uma atriz. Eles a criticaram tanto que ela perdeu lugares nas peças de teatro que encenava, o cenáculo se voltou contra ele pelas críticas a D’arthez, culminando em um duelo, no qual Lucien é baleado. Depois disso tudo, Coralie morre e Lucien volta a Angoulême, com as ilusões perdidas, endividado e com o amigo David Sechard preso por causa de uma dívida sua.

A obra de Balzac mostra ironicamente como o ser humano pode transformar algo que seria prazeroso e revelasse a alma do homem pode ser transformada em mercadoria e se tornar algo enfadonho e sem profundidade. A forma que ele conduz a narrativa é muito boa, mostrando toda a transformação de Lucien de Rubempré, um garoto ambicioso, sonhador, apaixonado do interior em um homem da capital, admirado, desiludido com a arte de escrever, pois descobre que jornalismo e arte não andam juntos. Segundo Balzac, em um se deve amar o que escreve e em outro, deve-se simplesmente escrever, como se o jornalista fosse uma máquina de escrever, convencer, manipular e mudar destinos. Os jogos da sociedade são mais importantes do que o amor entre as pessoas, relações de amizade e do que a própria forma de pensar de quem tem que participar desses jogos sujos.

Segundo a narrativa, os jornais têm um poder de influência total sobre as pessoas, tal como nas teorias da “agulha hipodérmica” e da bala mágica, descritas por Melvin DeFleur em Teorias de comunicação de massa, o que pode ser questionado hoje em dia, pois meios de comunicação não tem poder total sobre as pessoas, como o jornal de Finot fora descrito em ilusões perdidas. Além dista, a obra revela uma mágoa pessoal Balzac com jornalistas, pois ele sempre foi muito criticado por eles, vale a pena citar uma crítica sobre Ilusões Perdidas na época: “O livro Ilusões Perdidas é uma tremenda bobagem. Balzac é um escritor medíocre e amargo que, muito provavelmente, cairá no profundo esquecimento. Será mais um daqueles nomes débeis, que daqui a alguns anos ninguém terá ouvido falar”. Se o poder da imprensa fosse tão grande quanto como descrito no livro de Balzac, ele não teria se transformado no ícone da literatura que é hoje.

Em suma, Ilusões perdidas é um ótimo livro, que mostra setores da sociedade como imprensa, monarquia e donos de teatros, que trabalham mutuamente criando uma relação de interdependência e também mostra a perda da inocência de alguém que teve sua arte e idéias abafadas pela a lógica de mercado e realidade política da época. 
 
Resenha feita para a disciplina de Introdução ao Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em 2008

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