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11 de dezembro de 2009

O resultado da soma de transpiração com inspiração

Caco Barcellos é atualmente um dos jornalistas de maior renome no Brasil. Trabalhar na maior rede de televisão do país e ter um programa onde pode trabalhar com certa autonomia ajuda na fama do repórter. Outro fator que auxilia Caco Barcellos a ser tão conhecido na área jornalística são as suas grandes reportagens, que acabam se tornando livros. O Abusado: o Dono do Morro Dona Marta é um deles.

O trabalho para escrever o livro demandou muito tempo e apuração por parte do repórter. Barcellos também assumiu certos riscos para produzir a obra, já que teve que fazer diversos acordos (muitas vezes tácitos apenas) com sujeitos considerados perigosos, como por exemplo o personagem principal do livro: o traficante Marcinho VP, tratado na obra como Juliano VP.

Poucos sabem, mas Barcellos cresceu em um dos bairros de maior miséria na cidade de Porto Alegre. A infância pobre e a convivência com a realidade das periferias ajudou o jornalista a lidar com as situações do Morro Dona Marta que são descritas no livro. Para produzir uma obra impactante como esta é preciso ter sangue-frio, não se abalar com os depoimentos e muito menos demonstrar medo perante as situações, principalmente no período de apuração.

Barcellos procurou instituir uma ótica diferente da que é mostrada pela mídia dominante. Em O Abusado, Juliano VP é transformado em um legítimo anti-herói, digno das melhores histórias do mito Robin Hood. Se por um lado Juliano agia à margem da lei, por outro ele sempre se importava com o bem-estar da comunidade do morro. Caco trabalhou com a glamorização do bandido em O Abusado.

A linguagem utilizada no livro é uma mescla de linguagem jornalística e narrativa ficcional. Apesar da maioria das ações que acontece no livro ser baseada em depoimentos, seja de traficantes da Dona Marta, moradores do morro ou do próprio Juliano, Barcellos dá uma dimensão narrativa que faz o leitor crer que o próprio repórter foi testemunha dos acontecimentos, tamanho o detalhamento dos fatos.

Um exemplo disto está no início do livro. A cena da perseguição que acabou na morte de Careca, considerado o melhor motorista da quadrilha de Juliano, é descrita com tanta riqueza de detalhes que a cena chega a transcender o livro. Barcellos consegue ganhar o leitor já nas primeiras páginas. Comparado a uma reportagem, seria o Lead perfeito.

O livro é dividido em três partes. A primeira é Tempo de Viver, que mostra os primeiros anos de vida de Juliano, período no qual ele formou sua turma de amigos. A narrativa tem como elemento central a figura do traficante, mas ao mesmo tempo em que conta a história de Juliano, Barcellos também conta a história do morro em que Juliano cresceu. Além dos depoimentos, o autor se utilizou de material publicado na imprensa da época para remontar a história do Dona Marta.

A segunda parte da história é chamada de Tempo de Morrer. Neste período, Juliano já era o chefe do tráfico do Dona Marta. Episódios como a chegada de Michael Jackson no morro (que marca o início do capítulo) mostram como o traficante gostava dos holofotes. Este foi o maior erro de Juliano. Graças a querer aparecer na mídia, ele acabou se tornando o inimigo número um do Rio de Janeiro. Por sinal, Juliano acabaria se tornando vítima do próprio livro, já que menos de dois meses após o lançamento de O Abusado, ele seria morto na cadeia.

A terceira parte do livro é intitulada Adeus às Armas e mostra o período em que Juliano teve que fugir do Rio de Janeiro para não ser preso. Mesmo neste período, Caco Barcellos não deixou de manter contato com o traficante. Nesta parte está um dos trechos mais interessantes do livro, que inclui o próprio autor como mais um personagem da história.

Quando estavam em Buenos Aires, Barcellos e Juliano foram a um estádio de futebol. Foi então que o jornalista foi assaltado por torcedores argentinos dentro do estádio e foi salvo pelo traficante. Neste instante, Caco deixa de ser simplesmente o autor e se torna mais um personagem da história. Este trecho também mostra que a relação entre os dois talvez já teria passado da relação jornalista x fonte para o início de uma amizade.

O que fica claro no livro é que Caco Barcellos também foi obrigado a “flanar” por diversos espaços para produzir O Abusado, tal como fez o precursor da reportagem no Brasil, João do Rio. Porém, Barcellos se mostra muito mais profissional do que o jornalista dos primórdios da reportagem. Ao contrário de João do Rio, Barcellos é conhecido como um jornalista profissional e não como um boêmio. Claro que o cenário é outro. Melhor, os tempos são outros, já que ambos os locais descritos fazem parte do Rio de Janeiro. Por conta das diferenças temporais, inclusive com o aumento da criminalidade, Barcellos correu muito mais riscos do que do Rio.

Na apuração, Caco fez alguns acordos com os traficantes. Ele não queria saber do que ocorria no presente, apenas com os dados e as memórias do passado. Barcellos deixava bem claro que era um jornalista e que se soubesse de algo teria que denunciar. O Modus Operandi utilizado pelo autor é mostrado em toda a obra. Toda a explicação técnica da apuração de Caco Barcellos faz a obra ser de grande importância para estudantes de jornalismo.

Ao descrever a vida na comunidade de Dona Marta, Caco se utilizou de muitos arquétipos para contextualizar a obra, como por exemplo Doente Baubau, que era o viciado em drogas e tinha problemas mentais ou Raimundinho, que era o exterminador da favela. Até Juliano se tornou uma figura caricata em alguns trechos do livro, seja como conquistador ou como “Robin Hood”. Estas técnicas foram válidas no sentido de aproximar a obra do leitor, trabalho que Caco Barcellos fez muito bem no livro. Graças a uma apuração detalhada e uma redação clara em O Abusado.

Resenha escrita para a disciplina de Redação Jornalística II na Universidade Estadual de Ponta Grossa em 2009

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